Nas duas primeiras décadas do século XX, os estudos psicanalíticos de Freud e as incertezas políticas criaram um clima favorável para o desenvolvimento de uma arte que criticava a cultura européia e a frágil condição humana diante de um mundo cada vez mais complexo. Surgem movimentos estéticos que interferem de maneira fantasiosa na realidade.
O surrealismo foi por excelência a corrente artística moderna da representação do irracional e do subconsciente. Suas origens devem ser buscadas no dadaísmo e na pintura metafísica de Giorgio De Chirico.
Este movimento artístico surge todas às vezes que a imaginação se manifesta livremente, sem o freio do espírito crítico, o que vale é o impulso psíquico. Os surrealistas deixam o mundo real para penetrarem no irreal, pois a emoção mais profunda do ser tem todas as possibilidades de se expressar apenas com a aproximação do fantástico, no ponto onde a razão humana perde o controle.
A publicação do Manifesto do Surrealismo, assinado por André Breton em outubro de 1924, marcou historicamente o nascimento do movimento. Nele se propunha a restauração dos sentimentos humanos e do
instinto como ponto de partida para uma nova linguagem artística. Para isso era preciso que o homem tivesse uma visão totalmente introspectiva de si mesmo e encontrasse esse ponto do espírito no qual a realidade interna e externa são percebidas totalmente isentas de contradições.
A livre associação e a análise dos sonhos, ambos métodos da psicanálise freudiana, transformaram-se nos procedimentos básicos do surrealismo, embora aplicados a seu modo. Por meio do automatismo, ou seja,
qualquer forma de expressão em que a mente não exercesse nenhum tipo de controle, os surrealistas tentavam
plasmar, seja por meio de formas abstratas ou figurativas simbólicas, as imagens da realidade mais profunda do
ser humano: o subconsciente.
O Surrealismo apresenta relações com o Futurismo e o Dadaísmo. No entanto, se os dadaístas propunham apenas a destruição, os surrealistas pregavam a destruição da sociedade em que viviam e a criação de uma nova, a ser organizada em outras bases. Os surrealistas pretendiam, dessa forma, atingir uma outra realidade, situada no plano do subconsciente e do inconsciente. A fantasia, os estados de tristeza e melancolia exerceram grande atração sobre os surrealistas, e nesse aspecto eles se aproximam dos românticos, embora sejam muito mais radicais.
Principais artistas
Salvador Dali - é, sem dúvida, o mais conhecido dos artistas surrealistas. Estudou em Barcelona e depois em Madri, na Academia de San Fernando. Nessa época teve oportunidade de conhecer Lorca e Buñuel. Suas primeiras obras são influenciadas pelo cubismo de Gris e pela pintura metafísica de Giorgio De Chirico. Finalmente aderiu ao surrealismo, junto com seu amigo Luis Buñuel, cineasta. Em 1924 o pintor foi expulso da Academia e começou a se interessar pela psicanálise de Freud, de grande importância ao longo de toda a sua obra. Sua primeira viagem a Paris em 1927 foi fundamental para sua carreira. Fez amizade com Picasso e Breton e se entusiasmou com a obra de Tanguy e o maneirista Arcimboldo. O filme O Cão Andaluz, que fez com Buñuel, data de 1929. Ele criou o conceito de “paranóia critica“ para referir-se à atitude de quem recusa a lógica que rege a vida comum das pessoas .Segundo ele, é preciso “contribuir para o total descrédito da realidade”. No final dos anos 30 foi várias vezes para a Itália a fim de estudar os grandes mestres. Instalou seu ateliê em Roma, embora continuasse viajando. Depois de conhecer em Londres Sigmund Freud, fez uma viagem para a América, onde publicou sua biografia A Vida Secreta de Salvador Dali (1942). Ao voltar, se estabeleceu definitivamente em Port Lligat com Gala, sua mulher, ex-mulher do poeta e amigo Paul Éluard. Desde 1970 até sua morte dedicou-se ao desenho e à construção de seu museu. Além da pintura ele desenvolveu esculturas e desenho de jóias e móveis.
Joan Miró - iniciou sua formação como pintor na escola de La Lonja, em Barcelona. Em 1912 entrou para a escola de arte de Francisco Gali, onde conheceu a obra dos impressionistas e fauvistas franceses. Nessa época, fez amizade com Picabia e pouco depois com Picasso e seus amigos cubistas, em cujo grupo militou durante algum tempo. Em 1920 Miró instalou-se em Paris (embora no verão voltasse para Montroig), onde se formara um grupo de amigos pintores, entre os quais estavam Masson, Leiris, Artaud e Lial. Dois anos depois adquiriu forma La masía, obra fundamental em seu desenvolvimento estilístico posterior e na qual Miró demonstrou uma grande precisão gráfica. A partir daí sua pintura mudou radicalmente. Breton falava dela como o máximo do surrealismo e se permitiu destacar o artista como um dos grandes gênios solitários do século XX e da história da arte. A famosa magia de Miró se manifesta nessas telas de traços nítidos e formas sinceras na aparência, mas difíceis de serem elucidadas, embora se apresentem de forma amistosa ao observador. Miró também se dedicou à cerâmica e à escultura, nas quais extravasou suas inquietações pictóricas.
Definição:
Surrealismo Definição A crítica à racionalidade burguesa em favor do maravilhoso, do fantástico e dos sonhos reúne artistas de feições muito variadas. Na literatura, além de Breton, Louis Aragon, Philippe Soupault, Georges Bataille, Michel Leiris, Max Jacob entre outros. Nas artes plásticas, René Magritte, André Masson, Joán Miró, Max Ernst, Salvador Dalí, e outros. Na fotografia, Man Ray, Dora Maar, Brasaï. No cinema, Luis Buñuel. Certos temas e imagens são obsessivamente tratados por eles, com soluções distintas, como, por exemplo, o sexo e o erotismo; o corpo, suas mutilações e metamorfoses; o manequim e a boneca; a violência, a dor e a loucura; as civilizações primitivas; e o mundo da máquina. Esse amplo repertório de temas e imagens encontra-se traduzido nas obras por procedimentos e métodos pensados como capazes de driblar os controles conscientes do artista, portanto, responsáveis pela liberação de imagens e impulsos primitivos. A escrita e a pintura automáticas, fartamente utilizadas, são formas de transcrição imediata do inconsciente, pela expressão do "funcionamento real do pensamento" - como, os desenhos produzidos coletivamente entre 1926 e 1927 por Man Ray, Yves Tanguy, Miró e Max Morise, com o título O Cadáver Requintado). A frottage [fricção] desenvolvida por Ernst faz parte das técnicas automáticas de produção. Trata-se de esfregar lápis ou crayon sobre uma superfície áspera ou texturizada para "provocar" imagens, resultados aleatórios do processo, como a série de desenhos História Natural, realizada entre 1924 e 1927. As colagens e assemblages constituem mais uma expressão caraterística da lógica de produção surrealista, ancorada na idéia de acaso e de escolha aleatória, princípio central de criação para os dadaístas. A célebre frase de Lautréamont é tomada como inspiração forte: '"Belo como o encontro casual entre uma máquina de costura e um guarda-chuva numa mesa de dissecção". A sugestão do escritor se faz notar na justaposição de objetos desconexos e nas associações à primeira vista impossíveis, que particularizam as colagens e objetos surrealistas. Que dizer de um ferro de passar cheio de pregos, de uma xícara de chá coberta de peles ou de uma bola suspensa por corda de violino? Dalí radicaliza a idéia de libertação dos instintos e impulsos contra qualquer controle racional pela defesa do método da "paranóia crítica", forma de tornar o delírio um mecanismo produtivo, criador. A crítica cultural empreendida pelos surrealistas, baseada nas articulações arte/inconsciente e arte/política, deixa entrever sua ambição revolucionária e subversiva, amparada na psicanálise - contra a repressão dos instintos - e na idéia de revolução oriunda do marxismo (contra a dominação burguesa). As relações controversas do grupo com a política aparecem na adesão de alguns ao trotskismo (Breton, por exemplo) e nas posições reacionárias de outros, como Dalí. A difusão do surrealismo pela Europa e Estados Unidos faz-se rapidamente. É possível rastreá-lo em esculturas de artistas díspares como Alberto Giacometti, Alexander Calder, Hans Arp e Henry Spencer Moore. Na Bélgica, Romênia e Alemanha ecos surrealistas vibram em obras de Paul Delvaux, Victor Brauner e Hans Bellmer, respectivamente. Na América do Sul e no Caribe, o chileno Roberto Matta e o cubano Wifredo Lam devem ser lembrados como afinados com o movimento. Nos Estados Unidos, o surrealismo é fonte de inspiração para o expressionismo abstrato e a arte pop. No Brasil especificamente o surrealismo reverbera em obras variadas como as de Ismael Nery e Cicero Dias, assim como nas fotomontagens de Jorge de Lima. Nos dias atuais artistas continuam a tirar proveito das lições surrealistas.
O termo surrealismo, cunhado por André Breton com base na idéia de "estado de fantasia supernaturalista" de Guillaume Apollinaire, traz um sentido de afastamento da realidade comum que o movimento surrealista celebra desde o primeiro manifesto, de 1924. Nos termos de Breton, autor do manifesto, trata-se de "resolver a contradição até agora vigente entre sonho e realidade pela criação de uma realidade absoluta, uma supra-realidade". A importância do mundo onírico, do irracional e do inconsciente, anunciada no texto, se relaciona diretamente ao uso livre que os artistas fazem da obra de Sigmund Freud e da psicanálise, permitindo-lhes explorar nas artes o imaginário e os impulsos ocultos da mente. O caráter anti-racionalista do surrealismo coloca-o em posição diametralmente oposta das tendências construtivas e formalistas na arte que florescem na Europa após a Primeira Guerra Mundial, 1914-1918, e das tendências ligadas ao chamado retorno à ordem. Como vertente crítica de origem francesa, o surrealismo aparece como alternativa ao cubismo, alimentado pela retomada das matrizes românticas francesa e alemã, do simbolismo, da pintura metafísica italiana - Giorgio de Chirico, principalmente - e do caráter irreverente e dessacralizador do dadaísmo, do qual vem parte dos surrealistas. Como o movimento dada, o surrealismo apresenta-se como crítica cultural mais ampla, que interpela não somente as artes mas modelos culturais, passados e presentes. Na contestação radical de valores que empreende, faz uso de variados canais de expressão - revistas, manifestos, exposições e outros -, mobiliza diferentes modalidades artísticas como escultura, literatura, pintura, fotografia, artes gráficas e cinema.